OS PALÁCIOS DO JOAQUIM

Este não é um blog de História. É mais um blog de Arquitetura, talvez. Mas há momentos em que História e Arquitetura se entrelaçam de tal forma que fica impossível falar de uma sem mencionar a outra. Dito isso, uma história se impõe: a da construção da sede da Mitra Arquiespicopal do Rio de Janeiro, projeto(s) do grande Morales de los Rios.[1]

Mas como assim projeto(s)? Bem, comecemos pelo começo…

No dia 11 de dezembro de 1905, um brasileiro recebia o inédito título de primeiro cardeal da América do Sul. Seu nome: Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti.[2] Hoje os brasileiros o conhecemos como o Cardeal Arcoverde, homem de imenso poder à sua época. Quando da abertura da Avenida Central[3], em 1904, um terreno junto à atual Cinelândia foi reservado para receber a Mitra Arquiepiscopal do Rio de Janeiro – uma construção prevista para estar à altura do novo posto eclesiástico de seu ocupante. Para projetá-lo convidou-se um de seus mais proeminentes arquitetos, o sevilhano de nascimento e carioca de espírito Adolfo Morales de los Rios. No projeto original, o arquiteto eclético se inspirara no “estilo romano dos edifícios pontifícios da Renascença”, segundo escreveu seu filho, o também arquiteto e historiador Morales de los Rios Filho.[4]

Já adiantada ia a construção quando a Comissão Construtora da Avenida Central – responsável por edificar todos os prédios da grande avenida – recebeu a notícia de que o cardeal não desejava tomar posse do novo imóvel, e que pretendia construir sua moradia em local afastado dali, no bairro da Glória…[5]

Morria assim o projeto da Mitra no centro da cidade. O prédio foi então comprado pelo Governo Federal, que após adaptações instalou ali o Supremo Tribunal Federal, inaugurado em 3 de abril de 1909.[6]

Abaixo vemos a fotografia da planta da fachada original do prédio – ainda para a Mitra, portanto, sem as futuras alterações do STF – num trabalho levado a cabo pelo grande fotógrafo carioca Marc Ferrez (1843-1923) e intitulado Avenida Central – 8 de março de 1903 – 15 de novembro de 1906.[7]

avenida-rio-branco_241_palacio-da-mitra-arquiepiscopal_marc-ferrez

Não me parece sensato afirmar que o Cardeal Arcoverde tenha desgostado tanto assim do projeto – como afirmam alguns historiadores –, pois se fosse o caso não teria convidado o próprio Morales de los Rios para projetar seu novo palácio, desta feita num terreno muito maior que o anterior, e que acabou por receber-lhe o próprio nome, São Joaquim.

Mas deixemos de coisas e cuidemos da vida, como já dizia o compositor cearense. Este é um blog de arquitetura, afinal.

O majestoso Palácio São Joaquim, no número 446 da Rua da Glória, fazendo esquina com a Rua Benjamin Constant, foi finalmente construído no local onde até 1912 esteve o Palacete Meriti. As obras duraram até 1918.[8]

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Interessa-nos aqui – finalmente! – a escultura em bronze[9] posicionada no tímpano do frontão principal do palácio, onde vemos o brasão de armas do Cardeal Arcoverde, guardado por dois querubins, vista acima.[10]

É trabalho do escultor e gravador italiano Aurelio Mistruzzi (Villaorba, 1880 – Roma, 1960), como o denuncia a assinatura ali aposta, junto ao pé do anjo à direita do observador.

O brasão de armas do Cardeal Arcoverde encontra-se, ainda, nas faces da torre sineira da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, na Rua Primeiro de Março. Foi colocado quando das reformas descaracterizadoras do templo entre 1905 e 1913, promovidas pelo cardeal e executadas pelo italiano Raphael Rebecchi.

Por hoje é só.

 

[1] Adolfo Morales de los Rios y Garcia de Pimentel, segundo o historiador Morales de los Rios Filho, seu filho, em livro sobre o pai.

[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Joaquim_Arcoverde_de_Albuquerque_Cavalcanti

[3] Rebatizada Avenida Rio Branco em 21/12/1912 após o falecimento do Barão do Rio Branco.

[4] Morales de los Rios Filho, Adolfo. Adolfo Morales de los Rios. Figura, Vida e Obra. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1959, pág. 182.

[5] Segundo o historiador Brasil Gerson, o cardeal não achava “apropriado para ele um lugar assim tão no coração da cidade”.

[6] O imóvel hoje abriga o Centro Cultural Justiça Federal e já foi objeto de postagem aqui no blog, em https://orioqueorionaove.com/2012/10/22/centro-cultural-justica-federal/. O STF ocupou o imóvel até a transferência da capital federal para Brasília, em 1960.

[7] Para este fantástico Album da Avenida Central, Ferrez fotografou as plantas dos projetos de fachadas aprovadas em concurso com essa finalidade, bem como fotografou todas as construções após executadas. No caso aqui estudado, considerando o imbróglio da negativa do Cardeal Arcoverde, o livro foi finalizado sem a devida fotografia do prédio, e a página a ela destinada ficou vazia…

[8] Sobre a história do palacete anteriormente construído no local, consultar http://rioquemoranomar.blogspot.com.br/2010/08/pelas-esquinas-cariocas.html

[9] Agradeço ao novo amigo Dominique Perchet, cujo maravilhoso trabalho de pesquisa pode ser encontrado nos sites www.fontesdart.org e www.e-monumen.net, pela identificação do material empregado na escultura.

[10] Para uma completa descrição do brasão, consulte os endereços https://pt.wikipedia.org/wiki/Joaquim_Arcoverde_de_Albuquerque_Cavalcanti e http://www.arquisp.org.br/historia/dos-bispos-e-arcebispos/bispos-diocesanos/dom-joaquim-arcoverde-de-albuquerque-cavalcanti

 

 

 

 

 

2 Comentários

  1. dominiqueperchet · · Responder

    bonsoir
    vu la date et l’origine italienne du sculpteur, vu aussi les traces vertes sur la photo, nous pensons que c’est du bronze (et non de la fonte) : dommage pour fontesdart.org.
    Merci pour ces découvertes.
    Dominique

  2. […] WikipediaO Rio que o Rio não vêMultiRioDiário do Rio […]

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