TEXTO CRÍTICO

Resgatando o espaço da nossa cidade

Joaquim Marçal Ferreira de Andrade
Coordenador da Biblioteca Nacional Digital
e Professor do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio

O autor fotografando no Centro

São muitos os símbolos com os quais nos deparamos no dia a dia da nossa cidade, em pichações, grafites, imagens estampadas em estêncil, cartazes de lambe-lambe e até mesmo nas camisas que integram o espaço urbano onde circulamos – quase sempre, com um destino em mente, pois que já não dispomos das condições ideais para flanar, perambular pelas ruas do Rio de Janeiro.

Entre os aspectos que acabam por passar despercebidos estão os ornamentos que integram as fachadas dos edifícios, em sua maioria construídos entre as últimas décadas do século 19 e as primeiras décadas do século 20, que Luiz Eugênio Teixeira Leite nos mostra na presente exposição. Estas obras foram concebidas e construídas em um outro tempo, já distante, mas as fotografias de sua ornamentação simbólica foram realizadas com o olhar do tempo presente – e o registro de cada uma destas imagens foi precedido de atenta observação. Após a tomada das fotos, seu conteúdo foi devidamente investigado, pois além de fotógrafo, Luiz Eugênio atua aqui como iconógrafo, buscando decifrar os seus significados.

Este seu trabalho pode ser inserido em uma tradição fotográfica que, no plano internacional, inicia-se em 1851 com a Missão Heliográfica, iniciativa da Comissão de Monumentos Históricos da Administração Francesa das Belas-Artes, que reconheceu as vantagens do ‘registro fiel’ da recém-inventada fotografia como instrumento para a preservação do patrimônio construído. E foi ainda na França que viveu e atuou, de forma autônoma, Eugène Atget, que entre os últimos anos do século 19 e a década de 1920 lançou as bases da renovação da fotografia documental urbana.

Naquele período, aqui no Rio de Janeiro, vale lembrar, Marc Ferrez realizou o célebre portfólio fotográfico “Avenida Central 1903-1906” e Augusto Malta atuava como fotógrafo da Prefeitura do Distrito Federal, tendo produzido documentação abrangente de nossa cidade. Eram tempos de grandes reformas urbanas, sob “a vivaz vontade da fotografia”, como João do Rio descreveu, em 1908, o fenômeno: “Porque nós temos agora mais um exagero, mais uma doença nervosa: a da informação fotográfica, a da reportagem fotográfica, a do diletantismo fotográfico, a da exibição fotográfica – a loucura da fotografia. Já não há propriamente mais fotógrafos profissionais, porque toda a cidade é fotógrafa.”

Mas o trabalho de Luiz Eugênio vai muito além desta ‘febre fotográfica’; é denso e sistemático. As imagens aqui expostas representam apenas uma pequeníssima amostra do conjunto reunido, que constitui valiosa fonte para um grande arco de investigações: dos artistas e artesãos que deram forma a estes ornamentos, passando pelos seus significados e chegando até a história de nossa cidade e de nossa sociedade, enfim.

Se o autor já havia nos brindado com um belo livro homônimo – na linha do ‘Museu Imaginário’ de André Malraux – explorando um aspecto pouquíssimo conhecido da história de nossa cidade, agora Luiz Eugênio Teixeira Leite nos convida para uma experiência imersiva no espaço da galeria virtual, como que a nos preparar para vivenciarmos, na sequência, o nosso resgate do espaço da cidade, onde alegoria e realidade nos esperam, neste espetáculo a céu aberto que teima em sobreviver: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.