APRESENTAÇÃO | PRESENTATION

Reunião. Pressa. Consulta Médica. Correria. Almoço. Compromisso. Trabalho. Horário. Milhões de cariocas desperdiçam diariamente a espetacular aula a céu aberto de história da arte e da sociedade brasileiras que representa o Centro do Rio de Janeiro. Como localidade histórica inicial de fundação da cidade, o Centro está repleto de construções civis e religiosas nascidas ao longo desses quase 500 anos de civilização carioca. E como núcleo principal de uma cidade que foi sede da Colônia, do Império e da República por quase duzentos anos, nele se encontram instaladas as sedes das mais diversas instituições, públicas e privadas, como igrejas, museus, teatros, bibliotecas, bancos, seguradoras, companhias de navegação e muito mais.

Dentre os movimentos e estilos arquitetônicos inspiradores das numerosas construções que se acumularam ao longo do tempo na malha urbana carioca, foi principalmente o Ecletismo o que mais se ocupou de estabelecer uma profunda relação entre o ornamento e sua função simbólica na concepção das fachadas, no que se convencionou chamar de programa iconográfico. Entendiam os arquitetos, como ademais todo o ideário da época, que, do mesmo modo que o conjunto de colunas exercia uma função fundamental – a de sustentação física do prédio -, também o conjunto de ornamentos exercia função preponderante na construção – de sustentação psicológica e simbólica, e por conseguinte tão importante como/quanto a anterior.

No Rio de Janeiro, foi nas duas primeiras décadas do Século XX que essa tendência viveu seu apogeu. É desse período, pois, a grande maioria dos prédios aqui estudados. A pesquisa iconográfica – iniciada em 2000 e já tendo catalogado quase 1000 ornamentos – não se limitou, entretanto, ao Ecletismo. O leitor encontrará no livro construções neoclássicas, art nouveau, art déco e até modernas, como o Palácio Gustavo Capanema e seu Prometeu Acorrentado.

O objetivo deste blog, portanto, é fornecer subsídios ao estudo iconográfico sobre esses ornamentos presentes nas fachadas das construções civis, não só do Centro bem como de toda a cidade do Rio de Janeiro, trazendo não só a imagem como também uma descrição da cena e uma interpretação da função simbólica nela contida.

O Teatro Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes, a Biblioteca Nacional, o Palácio Pedro Ernesto, o Palácio Tiradentes e a Santa Casa da Misericórdia são exemplos óbvios de construções cariocas dotadas de rica e variada significação simbólica. Mas se deixarmos de lado a observação dessas opulentas fachadas dos prédios oficiais e concentrarmo-nos, por um instante, nas pequenas construções civis que o vocabulário arquitetônico eclético fez florescer em nossa cidade veremos a profusão e a riqueza de detalhes de que se constitui hoje a arquitetura civil carioca do período.

A necessidade conceitual de que a arquitetura deveria exprimir através do estilo a função a que se destinava forçou o desenvolvimento de uma apurada mão-de-obra artesanal, artistas que, se não conseguiram colocar seus nomes nos compêndios clássicos da arquitetura nacional, ajudaram, com uma interpretação toda própria dos ornamentos, aliada a uma profunda liberdade criativa, a forjar uma cidade culturalmente mais diversa, mais alegre e mais rica.

Essa liberdade criativa pode ser apreciada no coroamento do Hotel Aymoré (Rua Carlos Sampaio, 106), na Praça da Cruz Vermelha. Ali, o busto de uma figura masculina desempenha a dupla função simbólica de representar o índio brasileiro ao mesmo tempo em que evoca a figura do deus romano Mercúrio, padroeiro dos comerciantes, através da fusão de um único adereço, o cocar de um e o capacete alado do outro.

E como não admirar a riquíssima fachada da Antiga Casa Lucas (Avenida Passos, 36 e 38), que mereceu, por sua beleza e monumentalidade, a escolha como símbolo do Corredor Cultural do Rio de Janeiro, projeto responsável pela preservação e conservação dos imóveis de interesse histórico e artístico na cidade?

Alheio às buzinas dos carros, sirenes das ambulâncias e ao barulho dos homens, com as pernas para fora de seu nicho, indiferente até ao perigo de cair, um putto alado graciosamente esculpe, concentrado, um busto de mulher. O pequeno detalhe, a 30 metros de altura, pertence ao Edifício Engenheiro Ataulpho Coutinho, sede da outrora todo-poderosa Inspetoria de Águas e Esgotos do Distrito Federal, no número 287 da Rua do Riachuelo (imagem ao alto).

A cornucópia é um antigo símbolo de riqueza, prosperidade e abundância. Terá sido essa a razão de o artista inserir, na fachada do número 4 do Largo de São Francisco de Paula, vários pares de luvas e leques brotando a partir das extremidades de duas cornucópias? Teria funcionado ali uma luvaria?

Nem só de referências cristãs ou mitológicas vive a ornamentação arquitetônica carioca. Em muitos sobrados podem ser facilmente encontradas manifestações simbólicas que remetem à tradição franco-maçônica. São olhos que tudo veem, réguas, compassos, esquadros, pentagramas e muito mais. Um dos mais notáveis exemplos é o sobrado localizado no número 54 da Rua Frei Caneca: um compasso e um esquadro se entrelaçam junto a uma régua e uma engrenagem.

Como o interesse da pesquisa era tão-somente o ornamento, de pequenas dimensões em relação ao todo, utilizei uma lente fotográfica teleobjetiva, capaz de aproximar o objeto sem perder-lhe a riqueza de detalhes, destacando-o quase completamente da fachada a que pertence. Registrados a partir do nível da rua, os ornamentos estudados estão localizados, na esmagadora maioria dos casos, no alto das fachadas, portanto a 20, 30, 50 ou por vezes 100 metros de distância do fotógrafo.

Foram utilizadas as câmaras da marca Nikon modelos D60, D3100 e D7000 e as lentes fotográficas Nikkor 18-55mm 1:3.5-5.6G IF-ED VR, 18-105mm 1:3.5-5.6G IF-ED VR e 70-300mm 1:4.5-5.6G IF-ED VR. As imagens foram obtidas com o auxílio de tripé e do flash eletrônico Nikon SB-900. Em seguida elas foram tratadas digitalmente, no sentido de corrigir-lhes a perspectiva e aumentar-lhes o contraste e o foco. Em alguns casos procedeu-se a pequenas correções estéticas, eliminando fundos e objetos indesejados ou retocando ornamentos danificados.

Nas legendas que acompanham as imagens procurei, sempre que possível, traçar um panorama um pouco mais amplo da fachada retratada, não só arquitetônico, como também histórico, na tentativa de instigar o leitor a visitar o imóvel e contemplar, in loco, os detalhes fotografados.

Nos posts do blog procurei fornecer, igualmente, alguns dados relevantes referentes aos imóveis: 1. endereço; 2. uso original, nome do projetista e data do projeto da fachada; 3. uso atual; 4. autor do ornamento; 5. técnica empregada; 6. data de execução do ornamento.

Não deixe de ver.

(In: Leite, Luiz Eugenio Teixeira. O RIO QUE O RIO NÃO VÊ – Os Símbolos e seus Significados na Arquitetura Civil do Centro da Cidade do Rio de Janeiro. São Paulo, Aori Produções Culturais, 2012, p. 9-11, com adaptações).

Sobre o autor deste blog:
Luiz Eugenio Teixeira Leite é designer gráfico, fotógrafo, crítico de arte e historiador.

 

_____

 

Meeting. Hurry. Medical appointment. Running. Lunch. Appointment. Work. Schedule. Millions of “cariocas” waste daily the spectacular open brazilian society and art history class that is Downtown Rio. As the first historical site of the city foundation, Downtown Rio is full of civil and religious buildings born along these almost 500 years of the “carioca” civilization. And as the main nucleus of a city that was the headquarters of the colony period, the Empire and the Republic for 200 years, one can see in Downtown Rio many representative and traditional public and private institutions, like churches, theaters, libraries, banks, insurance companies, navigation companies and much more.

Among the architectonic movements and styles that inspired the numerous constructions that form Rio´s urban tissue, it was mainly the Eclecticism which estabilished a deep relationship between the ornament and its symbolic function in the conception of the façades, a concept known as iconogical project. It was common knowledge among architects, as well as among the whole society, that, in the same manner that the column set had a fundamental function in the building – its physical support -, so had the ornament set, responsible that it was for the symbolic and psichological support, thus as important as its precedent.

In Rio de Janeiro, it was during the first two decades of the 20th century that this trend lived its height. From this period, therefore, it is the vast majority of the buildings studied here. The iconological research – started in 2000 and having already catalogued and described almost 1000 ornaments – has not been restricted to the Eclecticism. The reader will be able to find in the book neoclassical, art nouveau, art déco and even modern buildings, like the Capanema Palace and its Prometeus Bound.

The objective of this blog, therefore, is to supply information to the iconographic study about these ornament present at the civil buildings façades, no only from Downtown Rio but also from all over the citiy, bringing to the reader not only the image, but also the scene´s description and an interpretation of the symbolic function contained in it.

The Municipal Theater, the National Museum of Fine Arts, the National Library, the Pedro Ernesto Palace, the Tiradentes Palace and the Holy House of Mercy are obvious examples of buildings that carry a rich and assorted symbolic meaning. But if we keep aside from these opulent and monumental official buildings and concentrate for a while in the simple civil constructions originated by the eclectic vocabulary in the city, we shall see the abundance and richness of details that today constitute Rio´s civil architecture of the period.

The conceptual requirement that architecture should express the function it was destinated by means of its style forced the development of a refined workforce, artists that, though failing to write their names in classical compendiums of national architecture, helped, with a proper interpretation of ornaments, to forge a city culturally more diverse, happier and richer.

This creative liberty may be valued in the Aymoré Hotel decoration (Carlos Sampaio Street, 106), in Cruz Vermelha Square. There, a male figure bust functions doubly as a brazilian indian and the roman god Mercury, the patron god of commerce, through the symbolic fusion of a single adornment, the feathered hat of the first (cocar) and the winged hat of the last (petasos).

And how not to admire the rich art nouveau façade of former Casa Lucas (Passos Avenue, 36 and 38), which deserved, by its beauty and monumentality, to be chosen the visual symbol of Corredor Cultural do Rio de Janeiro, project in charge of the preservation and conservation of historic and artistic interest city buildings?

Estranged from the cars´ horns, ambulances´ sirens and men´s multiple noises, his legs out of his niche, indifferent even to the danger of falling down, a winged putto graciously sculpts, focused, a woman bust. The tiny detail, 30 meters high, belongs to Engenheiro Ataulpho Coutinho Building, headquarters of formerly powerful Inspetoria de Águas e Esgotos do Distrito Federal (Federal District´s Water and Sewage Inspectorate), in 287, Riachuelo Street (see image on the top).

The cornucopia – or horn of plenty – is an ancient symbol of wealthy, prosperity and abundance. This was maybe the reason why the artist inserted, in the façade of 4, São Francisco de Paula Square, several pairs of gloves and hand fans coming out of the openings of two cornucopias. Was it a glove store?

Not only christian or mithological references make Rio´s architectonic ornamentation. In many “sobrados” one can easily find symbolic manifestations related to the freemasonry tradition. There are all-seeing eyes, rulers, compasses, squares, pentagrams and much more. One of the most noticeable examples is the sobrado at 54, Frei Caneca Street, where a compass and a square interlace each other together with a ruler and a gear.

As the research interest was the ornament itself, a small part compared to the whole building, I used a teleobjective photographic lens, capable of bringing the object closer without losing any details, making it stand out of the façade to which it belongs. Registered at street level, the vast majority of the studied ornaments is positioned at the top of the building, 20, 30, 50 or sometimes 100m far from the photographer.

Nikon models D60, D3100 and D7000, together with Nikon lenses 18-55mm 1:3.5-5.6G IF-ED VR, 18-105mm 1:3.5-5.6G IF-ED VR and 70-300mm 1:4.5-5.6G IF-ED VR, were employed. Images were captured with the use of a tripod and the occasional Nikon SB-900 strobe. After that they were digitally manipulated, in order to correct them the perspective and gain a little contrast and sharpness. In some cases it was necessary to proceed to some aesthetics corrections, such as eliminating undesired backgrounds and objects or retouching damaged ornaments.

In the comments that go with the images I tried, whenever possible, to establish a broader panorama of the pictured façade, not only architectonic, but also historical, in an attempt to invite the reader to visit the building and to contemplate, in loco, its ornamental details.

In the blog posts I´ve been trying to provide, equally, some relevant information about the buildings: 1. address; 2. original use, architect name and project´s date; 3. present use; 4. author of the ornament; 5. techniques; 6. ornament´s date.

Don´t miss it.

(Adapted from: Leite, Luiz Eugenio Teixeira. O RIO QUE O RIO NÃO VÊ – Os Símbolos e seus Significados na Arquitetura Civil do Centro da Cidade do Rio de Janeiro. São Paulo, Aori Produções Culturais, 2012, p. 9-11).

About the author:

Luiz Eugenio Teixeira Leite is a graphic designer, photographer, art critic and historian.

 

15 Comentários

  1. Oi,
    Conheci seu livro há alguns meses e acho o trabalho admirável. Por coincidência desenvolvo um trabalho semelhante há alguns anos no meu site. O tópico chama-se “Cantos do Rio” e basicamente faço o mesmo trabalho, sem as explicações arquitetônicas, visto que sou fotógrafo e me interessou mais o visual lindo e variado que encontramos nos prédios do Rio.
    Se quiser dar uma olhada, o site é http://www.sergioaraujo.com
    e o link direto para o tópico “Cantos do Rio” é:
    http://www.sergioaraujo.com/sergio/cantosdorio/inicial_canto.htm
    Abraços e parabéns pelo livro, que está impecável e fascinante.
    Sergio Araujo

    Sergio Araujo

  2. Prezado Sergio,
    Boa noite! Eu também já havia dado “passadas” pelo teu site, e apreciei bastante teu trabalho, em especial os Cantos do Rio. Espero que goste do que o meu blog vai apresentar proximamente. Obviamente, haverá ali muito do livro, mas muita coisa inédita também. Aproveite!
    Um abraço do
    Luiz Eugenio

  3. A julgar pelo livro, certamente vou gostar.
    Abraços

  4. Eduardo Szigethy · · Responder

    Prezado Luiz Eugenio,
    excelente trabalho, merecedor de inquestionável reconhecimento e dos merecidos méritos pela qualidade da pesquisa realizada.
    Seu admirador e divulgador.
    Eduardo Szigethy

    1. Valeu, Giba! Não esquece. Todo dia haverá uma nova postagem. Agradeço muito o incentivo e a divulgação. Grande abraço, Luiz Eugenio

  5. Regina Schiavine · · Responder

    Belíssimo livro, pra ver, rever… Instiga as visitas in loco.

    1. Obrigado, Regina. Minha ideia é publicar uma postagem por dia. Aproveite! Um abraço do Luiz Eugenio

  6. Mário Almeida · · Responder

    Luiz

    Li, mais uma vez, a apresentação do seu livro e, de novo, fiquei embevecido com a belíssima apresentação. O livro é de conteúdo e qualidade inquestionáveis.
    Parabéns de novo!!!
    Abs
    Mário

  7. Parabéns!! Lindo trabalho…Estou divulgando seu espaço no meu blog do facebook.
    Abraços
    Andreia Rego

    1. Obrigado, Andreia! Um abraço do Luiz Eugenio

  8. Flávia Silva Pires · · Responder

    Boa noite! Gostaria de saber a respeito da visita guiada para o dia 15/02/2014. Como faço para me inscrever e participar?? Parabéns pelo belíssimo trabalho!
    Att,
    Flávia Pires

  9. Prezada Flavia,
    Boa noite!
    Agradeço o interesse pelas minhas visitas guiadas. Em função da grande procura – e considerando que as turmas estão lotadas para os dias 8, 15 e 22 de fevereiro -, eu resolvi abrir mais uma turma, desta vez para 15 de março. Havendo interesse, é só informar aqui ou encaminhar uma mensagem para leugenio@centroin.com.br, ok?
    Um abraço,
    Luiz Eugenio

  10. Amei seu trabalho. Pretendo fazer uma de suas v9sitas logo.

  11. Olá Gostaria de saber a autoria e data da Foto da “Escola Imperial de Belas Artes” para fins de citação em um livro institucional.Você é detentor dos direitos autorais da foto? Tenho certa urgencia em obter essa informação
    Gratidão
    Cristina Britto

    https://www.google.com.br/search?biw=1920&bih=969&tbm=isch&sa=1&ei=XkvkW4nSOIG4wgTF2bmgAQ&q=%22Academia+imperial+de+belas+artes%22&oq=%22Academia+imperial+de+belas+artes%22&gs_l=img.3..0l3j0i30k1l3j0i24k1l4.170041.176493.0.177733.32.32.0.0.0.0.124.3485.1j30.31.0….0…1c.1.64.img..1.21.2408…0i8i30k1j0i7i30k1.0.9DrG0WAZGPE#imgrc=e6ZgqHua-biYLM:

    1. Prezada Cristina,
      Boa tarde! Todas as fotos desta postagem são minhas, à exceção da primeira, em P/B, que é do Marc Ferrez, feita por volta de 1882.
      Um abraço cordial,
      Luiz Eugenio

Deixe uma resposta para CristinaCancelar resposta