O SARGENTO-MOR FERNANDO MARTINS DE BULHÕES

O oratório de Santo Antonio – no detalhe – junto ao recém-restaurado frontão colonial da igreja do convento.

Queridos leitores,

13 de junho é o dia em que a Igreja celebra um dos santos padroeiros mais populares – senão o mais popular – da cultura portuguesa. Várias são as simpatias que lhe são dirigidas por aqueles que desejam encontrar alguém para casar, o que faz dele conhecido como “santo casamenteiro”. É grande sua devoção no Rio de Janeiro, e foi nessa cidade que ele “viveu” uma história diferente, pitoresca e curiosa, para dizer o mínimo.

Estamos falando, naturalmente, de Santo Antonio. Nascido em Lisboa e falecido em Pádua,[1] ele é Santo Antonio de Pádua para os italianos e Santo Antonio de Lisboa para o resto do mundo. Nasceu Fernando Martins de Bulhões, a 15 de agosto de 1195,[2] e adotou o nome Antonio em homenagem a um outro santo, o Santo Antão, que viveu no Egito entre os séculos III e IV da era cristã.

E a faceta militar de Santo Antonio, você conhece?

Explico. Trata-se de uma das – muitas – invasões francesas ao Rio de Janeiro. Quando, em 1710, a esquadra de seis navios e mais de mil homens liderada pelo corsário francês Jean François Duclerc invadiu a cidade, avançando trôpega porém decidida em direção à cidade desde a Ilha Grande pelos sertões de Guaratiba e Jacarepaguá, o governador local, Francisco de Castro Morais[3], além de organizar as forças defensivas para o iminente combate, tratou de recorrer às pressas ao Convento de Santo Antonio, no Largo da Carioca, para pedir a divina intervenção do santo na contenda.[4]

Quatrocentos franceses perderam a vida na batalha e setecentos foram aprisionados, inclusive Duclerc, [5] seu comandante. [6] Provara-se correta a estratégia de Castro Morais em “convocar” o santo para a luta –  pelo menos foi esta a avaliação do governador que, de tão agradecido, e pela primeira vez em território brasileiro, repetindo tradição já existente em terras portuguesas, nomeou o “soldado de madeira” Capitão de Infantaria, com soldo e tudo![7]

Mas a história não pára por aí. Contam os cronistas do passado que a história impressionou profundamente a imaginação do príncipe regente Dom João quando de sua chegada à cidade, fugindo de Napoleão, em 1808. O gordinho monarca, malandramente, valendo-se da máxima que diz que “santo que ganha não se mexe”, não ousou cutucar a tradição com cetro curto, e assim não só manteve a honraria como ainda aumentou-lhe a patente, para sargento-mor, em 1810, e tenente-coronel, em 1813.

Esculpida no próprio Rio de Janeiro em princípios do século XVII, em terracota policromada, a imagem do santo – intitulada Santo Antonio e o Menino ou Santo Antonio do Relento, permanece dentro de um nicho na portaria do convento e continuou recebendo salário mesmo após a Proclamação da República, e foi somente no ano de 1911 que Santo Antonio foi devidamente destituído de sua patente duplamente secular, para infortúnio dos frades franciscanos.

Aqui, está reproduzida ao alto – no detalhe em vermelho – e abaixo, em destaque.

[1] Justamente a 13 de junho, como reza a tradição católica.

[2] Há muita controvérsia com relação aos exatos nome e data de nascimento do santo.

[3] Consta que o carioca jamais aceitou esse governante, que passou à História como um homem covarde e medroso, a quem a população chamava de “O Vaca”,

[4] O governador atendia a uma velha invocação portuguesa – a de que Santo Antonio era bom de briga.

[5] Após derrotado, Duclerc não se teria retirado do Rio de Janeiro. Contam os historiadores que teria até se afeiçoado pela vida mansa que aqui levava, interrompida numa noite de março de 1711, num assassinato em circunstâncias ainda hoje misteriosas.

[6] A cidade não teria a mesma sorte no ano seguinte, 1711, quando outro corsário, René Duguay Trouin, muito mais bem armado que seu antecessor, tomou-a de assalto por quarenta dias, na única ocasião em que o Rio de Janeiro se viu sob dominação estrangeira.

[7] É evidente, caro leitor, que a imagem só recebia o soldo simbolicamente, pois o santo já era morto há tempos – ele faleceu em 13 de junho de 1231. Quem gastava os proventos, naturalmente, eram os frades do convento, estes sim vivinhos da silva.

5 Comentários

  1. Lia de Mattos · · Responder

    Esta imagem também é conhecida como Santo Antônio do Relento !
    Fiz um trabalho sobre o Convento de Santo Antônio , estou tentando publlicar !!

    1. Estamos na torcida, Lia! Um beijo, Luiz Eugenio

  2. “tratou de recorrer às pressas ao Convento de Santo Antonio, no Largo da Carioca”: qual era o nome do largo da Carioca à época?

  3. Freire Da Paz Renato · · Responder

    Eu gostava de saber, se o autor deste texto acredita ou não na humildade e santidade de Fernando de Bulhões, sobre o qual se começa a perceber recentemente a sua ascendência de sangue, algo que é tão importante como a missão que cada ser humano trás ao mundo!

  4. Fico a aguardar uma resposta do meu irmão brasileiro porque eu também amo os índios!

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