O RIO DE TODOS OS SANTOS: SANTO ELÓI

Em postagem recente do último dia 8 de janeiro escrevi sobre o significado do brasão de armas da antiga Ordem Terceira de São Francisco da Penitência – atual Ordem Franciscana Secular -, na Rua da Carioca. Para não ir muito longe, escrevo hoje sobre um sobrado em cuja fachada se encontra o único brasão de armas que conheço desta agremiação: a Irmandade do Glorioso Santo Elói.

Mas antes deixemos um pouquinho para o santo…

Para fins dessa postagem interessa-nos saber que Santo Elói (ou Elígio de Noyon) nasceu na França por volta do ano 588 e, após seguir carreira de ourives na juventude, ordenou-se bispo por volta de 639, quando da morte do rei a que se servia, Dagoberto I.[1]

Santo Elói é o Padroeiro dos Ourives e de todas as profissões que trabalham o metal (ferreiros, metalúrgicos, relojoeiros). No Rio de Janeiro é pouco conhecida a devoção a Santo Elói, cuja irmandade está hoje sediada na Igreja de Santa Luzia, na rua de mesmo nome, no Centro. Segundo o historiador Augusto Maurício, a Irmandade do Glorioso Santo Elói teria completado 150 anos em 13 de janeiro de 1946.[2] 1795, portanto, seria o ano correto de sua fundação no Rio de Janeiro.[3]

A imagem do padroeiro teria sido inicialmente exposta – de 1795 a 1825 – nos diversos oratórios públicos de que dispunha a cidade.[4] O último oratório a ostentá-la, ainda segundo Augusto Maurício, teria sido o da esquina das ruas 7 de Setembro e Ourives (hoje Rodrigo Silva). A partir de 1825 a imagem foi acolhida em altar próprio na Igreja de Nossa Senhora do Parto[5] [6], e a partir de 1913 a imagem foi definitivamente transferida para um altar lateral da Igreja de Santa Luzia, onde se encontra até hoje.[7]

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É curiosa esta imagem carioca, aparentemente confeccionada em Portugal em meados do Século XVIII e medindo cerca de 160cm. Os atributos normalmente relacionados a Santo Elói são o martelo, a ferradura, a pata do cavalo separada do corpo do animal, a bigorna, o báculo, a indumentária de bispo e outros. Na imagem existente na Igreja de Santa Luzia, vista à esquerda, vemos apenas que o santo se apresenta vestido em traje ricamente decorado, com detalhes em ouro e luvas pretas – os trajes, portanto, de um bispo -, mas sem o báculo e a mitra – atributos freqüentemente empregados na representação da figura do bispo -, e sem nenhum outro atributo que o identifique mais diretamente como Santo Elói.[8]

Mas voltemos de uma vez por todas à Rua da Carioca, que é o que interessa…

Como já afirmamos em postagem recente, os sobrados do lado par da Rua da Carioca foram todos construídos logo após o alargamento da rua, em 1906. O número 26, que hoje abriga a Lanchonete Rei do Queijo, ostenta no alto de sua fachada o brasão de armas da agremiação, cujos atributos ajudam a identificar o santo, mas as iniciais IGSE abaixo dele – acrônimo de Irmandade do Glorioso Santo Elói – facilitaram ainda mais o nosso serviço.[9]

Mas afinal, que atributos são esses? Posicionados à frente de um resplendor de luz estão três atributos freqüentemente empregados na iconologia cristã para designar a condição de bispo: o báculo, a mitra e as ínfulas (imagem abaixo).

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O báculo é uma espécie de bastão com a extremidade curva que, à semelhança do cajado dos pastores, simboliza a condução pelo bispo do rebanho divino. A mitra – centralizada na composição e adornada com uma cruz – é um capacete utilizado pelos bispos, entre outros representantes da igreja, que simbolicamente oferece proteção divina a quem o traja. Da mitra partem duas ínfulas, duas tiras de tecido bordadas e decoradas, outro símbolo da condição de bispo.

Uma última informação: a IGSE já esteve sediada no sobrado de número 216 da Rua do Hospício – atual Buenos Aires.[10] Quem por ali passa ainda pode ver as inscrições apostas na fachada: o ano de construção – 1908 – e o uso do imóvel – S.A. da Corporação dos Ourives. O S.A. é de Sociedade Animadora![11]

Até a próxima!

 

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Rua Buenos Aires, 216

 

 

[1] In https://pt.wikipedia.org/wiki/Elígio_de_Noyon

[2] Maurício, Augusto. Templos Históricos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert, 1946, 2a. edição.

[3] Nireu Cavalcanti, em seu excelente O Rio de Janeiro Setecentista, indica o ano de 1759, mas parece-me ter havido uma inversão de algarismos no momento da digitação, e portanto fico com a data indicada por Maurício.

[4] Dos 73 oratórios públicos do Rio de Janeiro, hoje só resta um remanescente, na Rua do Carmo, construído por volta de 1764: o de Nossa Senhora do Cabo da Boa Esperança.

[5] A primitiva Igreja de Nossa Senhora do Parto foi erguida ainda no ano de 1653. Em 1742 ergueu-se ao lado da igreja o famoso prédio do Recolhimento do Parto, destinado a receber mulheres em reclusão. Todo o conjunto foi vítima de violento incêndio em 23 de agosto de 1789, episódio magistralmente registrado em tela pelo pintor João Francisco Muzzi, que registrou ainda a reconstrução do conjunto, no mesmo ano. (Maurício, Augusto. Templos Históricos do Rio de Janeiro. Gráfica Laemmert, 1946, 2a. edição).

[6] A Igreja Nossa Senhora do Parto existe até os dias de hoje, abrigada em prédio moderno na mesma esquina em que esteve situada desde o Século XVII, entre as atuais ruas Rodrigo Silva e São José.

[7] Santo Elói não possui mais altar próprio. Em visita à Igreja de Santa Luzia no dia 13 de janeiro de 2016, pudemos perceber que o altar lateral direito está ocupado por São João Batista. Santo Elói, por sua vez, aguarda na secretaria da irmandade para ser reconduzido à capela-mor, após restauração desta, segundo gentilmente me informaram.

[8] Podemos supor que nem sempre a imagem esteve assim tão desprovida de atributos. Percebe-se que a mão esquerda do santo está fechada, como se originalmente segurasse algum objeto – um báculo de prata? Da mesma maneira, a mão direita poderia trazer outrora algum atributo que nos fizesse mais facilmente reconhecer o santo – um martelo dourado? Estariam ambos guardados, aguardando a imagem retornar à sua posição original no templo? Vou pesquisar…

[9] Foi valiosa, nesse sentido, a publicação, em 27 de agosto de 1942, no Diário Oficial da União, de uma referência da irmandade como proprietária do imóvel (http://www.jusbrasil.com.br/diarios/2468195/pg-12-secao-2-diario-oficial-da-uniao-dou-de-27-08-1942)

[10] In http://www.jusbrasil.com.br/diarios/1744533/pg-38-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-22-09-1910/pdfView, 09/01/2016)

[11] In http://associacoescariocas.ica-atom.org/gJ2j0, 26/02/2014).

 

5 Comentários

  1. Ana Paula Granado · · Responder

    Genial sua página! Parabéns!!!!

    1. Obrigado, Ana Paula!

  2. Onde encontro a imagem de Santo Elói para comprar ?

    1. Prezado Luciano,
      Se tu estiveres no Rio dá um pulo na Igreja de Santa Luzia para ver se eles tem…
      Do contrário me fala, ok?
      Um abração,
      Luiz Eugenio

  3. Joel PinGuim · · Responder

    Sobre a história do aprendiz de ferreiro nunca mais vi contar desde os livros do primário lá por 1964

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