Morcegos, dinossauros, gárgulas, quimeras, dragões?

AVENIDA OSWALDO CRUZ, 4
ANTIGA RESIDÊNCIA EDUARDO OTTO THEILER

PROJETO DE HEITOR DE MELLO, 1912
ESCULTURAS NA FACHADA DE WOLDEMAR BOGDANOFF, 1913

Avenida Oswaldo Cruz, número 4, Flamengo

Avenida Oswaldo Cruz, número 4, Flamengo

Eduardo Otto Theiler, falecido em 1967, foi um proeminente advogado brasileiro, representante assíduo nos tribunais arbitrais internacionais, em especial em causas junto aos países sulamericanos, e alto funcionário do Ministério da Justiça e Negócios Interiores do Distrito Federal. Sua casa, na esquina da antiga Rua da Ligação – hoje Avenida Oswaldo Cruz – com a atual Praia do Flamengo, é um dos últimos remanescentes da rica arquitetura residencial eclética que imperou na cidade nos começos do Século XX.

O Castelinho Francês, mais popularmente conhecido como Casa dos Morcegos, foi projetado em 1912 por Heitor de Mello, um dos mais notáveis arquitetos do período, que teria escolhido o estilo “renascimento francês” por julgá-lo o mais apropriado para residências – como ditavam os preceitos arquitetônicos vigentes. Isso faz do Castelinho Francês uma construção dita eclética neorenascentista.

Abaixo vemos um típico exemplo de construção no estilo dito Renascimento Francês, o Castelo de Chambord, pavilhão de caça construído para o rei Francisco I nas primeiras décadas do Século XVI e famoso, entre outras coisas, pela presença de uma formidável escadaria em dupla-hélice projetada por Leonardo da Vinci.

mai 2005 Chambord 6_a

O Castelo de Chambord, junto ao Rio Loire, representante típico do estilo arquitetônico dito Renascimento Francês

Mas voltemos ao nosso exemplo carioca. A decoração, veremos abaixo, tomou emprestado o arquiteto de outro estilo arquitetônico – o gótico, estilo que predominou na Europa até o Século XV, mais ou menos, quando o Renascimento tomou força a partir da Itália. Mas lembremos que, sendo esta uma construção neorenascentista, do Século XX, e não renascentista, do Século XVI, era totalmente aceitável – e desejável até – a justaposição de estilos do passado e sua reapropriação de usos. Em outras palavras, o projeto aplicou uma decoração neogótica numa fachada neorenascentista.

A fachada está, pois, recheada de criaturas que nos remetem diretamente aos castelos medievais góticos – gárgulas, dragões e homens-morcego.

Homens-morcego? Não exatamante.

DSC_5343

Metade homem, metade morcego, a gárgula acima foi colocada em posição de destaque, abaixo da sacada principal, bem no centro da fachada.

As gárgulas foram muito empregadas nas catedrais góticas francesas. Parece que sua função inicial era esconder os canos de escoamento das águas pluviais que caíam do telhado, mas a função de sentinelas para afastar os “maus espíritos” não pode ser afastada, já que a visão mítica do mundo e a religiosidade do homem daquele tempo comandavam toda a vida em sociedade. Aos poucos foram tomando diversas outras formas, em poses por vezes ameaçadoras e por vezes engraçadas, abandonando por completo qualquer outra função utilitária na construção. Em nosso Castelinho Francês, há gárgulas funcionais, para as chuvas, e gárgulas decorativas, como a vista acima.

DSC_5359

Dragão medieval expelindo fogo ocupa uma cartela decorativa da construção.

DSC_5363

Gárgula de chuva de Bogdanoff, que muito remete àquelas da famosa Catedral de Notre Dame de Paris.

E apesar de o maravilhoso Guia da Arquitetura Eclética no Rio de Janeiro afirmar que “há, no exterior, estuques de Corrêa Lima, Petrus Verdié e Waldemar (sic) Bogdanoff”, o fato é que na epígrafe da pichada fachada só se encontra a referência ao último (Woldemar Bogdanoff, 1913) – assim mesmo, Woldemar, com O, como atesta a foto abaixo.

DSC_5345

Admite-se, entretanto, no caso específico do dragão, um certo distanciamento compositivo entre a criatura e a cartela na qual está inserida, como se Verdié ou Corrêa Lima tivessem de fato “preparado” o ornato para a inserção posterior do dragão de Bogdanoff. Pesquisas vindouras haverão de nos tirar essa dúvida.

6 Comentários

  1. Ronaldo Pereira Rego · · Responder

    Durante muitos anos passei por ali querendo saber quem era o proprietário, se a casa estava ocupada, se seria demoilida como tantas outras (o Palacete martinelli, p.ex.na av.Oswaldo cruz) mas sabemso agora que está salva , por tombamento. Poderia ser aberta para visitação ou estudiosos de arte? Uma publicação poderioa ser feita de outras que ainda estão de pé neesa região do Flamengo. Parabéns ao insigne Teixeira Leite que vem desvelando (e protegendo) uma parte da história de nossa cidade.

  2. Olá! Sempre tive muita curiosidade sobre esse edifício! Sabe se ele encontra-se abandonado?

    1. Prezado Eduardo,
      Boa tarde! Obrigado pelo interesse. Segundo o Guia da Arquitetura Eclética no Rio de Janeiro, da Prefeitura, o imóvel, originalmente uma residência única, foi subdivido em quatro apartamentos. Apesar do aparente estado de abandono, creio que eles se encontram ocupados no momento.
      Um abraço cordial,
      Luiz Eugenio

  3. Cristina Teixeira · · Responder

    Caramba, passei tanto por ali e não me continha. Dava uma paradinha e olhava o Palacete dos Morcegos devagar, bem devagar. Adorei saber tanto sobre ele. Valeu!

  4. Miguel Lopes · · Responder

    Esse exemplar nos remete para o início do século. Não tinha notado na epígrafe. Heitor de Mello era um arquiteto sensacional e assinou alguns outros lindos da demolida Avenida Central. Fico a pensar no boulevard Carioca, deveria ser um espetáculo, com tantos edifícios ecléticos assinados pelos melhores do mundo.

Deixe uma resposta

Descubra mais sobre O RIO QUE O RIO NÃO VÊ

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading