A PORTADA DA AIBA

Olá! Para quem não está familiarizado com a sigla, AIBA traduz-se por Academia Imperial de Belas Artes. Foi o nome que recebeu, a partir de 1824, a instituição fundada em 1816 por Dom João VI com o nome Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios no Rio de Janeiro, cidade que desde 1815 fora alçada à condição de capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. À AIBA cabia fomentar as artes no país, garantindo ao cidadão uma formação artística e humanista aos moldes das tradicionais academias de arte européias então vigentes.

AIBA_Marc Ferrez

Da famosa Missão Artística Francesa, que teria aportado na cidade do Rio de Janeiro no dia 26 de março de 1816, faziam parte, entre outros, o professor Joachim Lebreton, os pintores Jean-Baptiste Debret e Nicolas-Antoine Taunay, o gravador Charles-Simon Pradier, além do premiado arquiteto Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny (que ganhara em 1799 o mais prestigioso prêmio da arte européia, o Prix de Rome) e os irmãos Marc e Zéphyrin Ferrez, respectivamente escultor e gravador de medalhas.

Interessa-nos aqui, especificamente, o prédio da AIBA, construído em 1826, sob projeto de Montigny, e infelizmente desaparecido em 1938, quando então a República já o rebatizara para Escola Nacional de Belas Artes. Um golpe da caneta do então presidente Getulio Vargas colocou-o abaixo, sob a alegação de que no mesmo terreno ele faria construir seu Ministério da Fazenda – o que jamais aconteceu. Diz a lenda que, em visita após a derrubada, o caudilho teria ficado desapontado ao ver o terreno restante, considerando-o pequeno. O monumental Palácio da Fazenda que conhecemos hoje, em estilo neogrego, acabou por fim sendo construído na Esplanada do Castelo, bem longe dali.

Quanto ao terreno onde esteve o prédio da AIBA, passados 76 anos da demolição, continua desocupado até hoje, sendo explorado por um… estacionamento!

Ao contrário do que pensam alguns, a fachada principal da AIBA não dava frente para a Avenida Passos (antiga Rua do Sacramento), e sim para a Travessa das Belas Artes. A portada que ora estudamos ficava bem de frente para a Rua Imperatriz Leopoldina, que ainda hoje desemboca na Praça Tiradentes. Todos esses logradouros existem ainda hoje e mantêm os mesmos nomes.

Por sorte – ou ironia do destino -, o então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) adquiriu ao demolidor, no apagar das luzes, o pouco que sobrou do lindo prédio de Montigny: a portada e seus baixos-relevos, que desde 1940 repousam majestosos no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ao final de uma aléia de palmeiras imperiais.

Mas chega de minúcias. Passemos, então, a descrever a portada remanescente propriamente dita e suas obras de arte, que é o que nos interessa.

A portada foi construída em gnaisse carioca com arremates laterais no primeiro pavimento em mármore branco e três baixos-relevos em terracota – um no frontão e dois junto ao arco do grande portão, nos contrafortes laterais. O segundo pavimento apresenta seis colunas também em gnaisse com bases e capitéis jônicos confeccionados em bronze, fundidos estes últimos por Antonio Mercandier[1]. Posicionadas sobre bases de gnaisse, entre os vãos das colunas das extremidades, estavam duas esculturas de Marc Ferrez (1788-1950) – hoje removidas – representando os deuses Apolo e Minerva.[2] Decora a aduela-chave do arco uma pequena alegoria masculina alada, em bronze, portando à mão esquerda uma palma (abaixo).

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O portão, em ferro, foi projetado em 1831 por Grandjean de Montigny.[3]

O friso recebeu inicialmente a seguinte inscrição: PETRUS-BRAS-IMP-I-ARTIBUS-MUNIFICENTIAM-CONSECRAVIT. Abaixo das sacadas e imediatamente acima do arco, lia-se ACADEMIA IMPERIALIS BELLARUM ARTIUM.[4] Com o advento da República, foi eliminada a referência ao imperador no friso e substituída a inscrição do arco para ESCOLA NACIONAL DE BELLAS ARTES. Por fim, também esta referência foi eliminada e o friso voltou a ostentar uma inscrição, agora MINISTÉRIO DA FAZENDA, em referência ao novo ocupante do imóvel.

Sobre as três janelas do segundo pavimento, posicionadas entre as quatro colunas centrais e guarnecidas por sacadas com balaústres de bronze, viam-se as inscrições PICTURA, ARCHITECTURA e ESCULPTURA[5]. Em registro do fotógrafo Marc Ferrez (1843-1923), sobrinho do escultor homônimo, no começo da postagem, pode-se perceber um baixo-relevo posicionado sobre a palavra ARCHITECTURA, de autoria de Zéphyrin Ferrez[6]. O projeto original de Montigny previa a inclusão de outros baixos-relevos também sobre as palavras PICTURA e ESCULPTURA. Nenhum dos três sobreviveu.

No tímpano, um grande baixo-relevo, de autoria de Zéphyrin Ferrez[7], coroa e contextualiza a construção. Em composição simétrica, mostra centralizada uma alegoria masculina alada conduzindo quatro cavalos dispostos dois de cada lado. Nos vértices estão deitadas duas outras alegorias, uma masculina e uma feminina. Representa “Febo em seu Carro Luminoso”[8] (abaixo).

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Muito se tem atribuído a execução dos três baixos-relevos remanescentes desta portada a Zéphyrin Ferrez (1797-1851). Parece-nos que a Zéphyrin deve-se o baixo-relevo acima descrito – o principal, do tímpano, “Febo em seu Carro Luminoso”. Os baixos-relevos laterais, conhecidos como “Gênios das Artes”, são de autoria de Marc Ferrez, como o comprova a assinatura ao pé da alegoria da direita: Marc Ferrez fecit 1828 (detalhe abaixo).

DSC_8729_AIBA_detalhe da assinatura

Esses “Gênios das Artes” retratam duas alegorias femininas aladas, simetricamente dispostas na fachada, cada uma das quais portando dois atributos: a alegoria à esquerda do observador carrega uma tocha alada e uma coroa de louros; já a da direita – aquela assinada por Marc – tem às mãos novamente a coroa de louros e uma cornucópia a expelir frutas nacionais[9], tais como o caju, o abacaxi, a banana e a fruta de conde (imagens abaixo).

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[1] Azevedo, Moreira de. Rio de Janeiro: sua historia, monumentos, homens notáveis, usos e curiosidades.  Vol. 2. Terceira edição. Rio de Janeiro: Livraria Brasiliana Editora, 1969.

[2] Id., op. cit.

[3] Id., op. cit.

[4] Rocha-Peixoto, Gustavo. Reflexos das Luzes na Terra do Sol. Sobre a Teoria da Arquitetura no Brasil da Independência. 1808-1831. São Paulo: ProEditores, 2000.

[5] Id., op. cit.

[6] Id., op. cit.

[7] Id., op. cit.

[8] Valladares, Clarival do Prado. Rio Neoclássico. Análise Iconográfica do Barroco e Neoclássico Remanentes no Rio de Janeiro. Vol. 2. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1978.

[9] Ibidem.

3 Comentários

  1. ronaldo rego · · Responder

    Foi a melhor crônica sobre esse monumento tão esquecido, hoje no J.Botânico. Vargas quis fazer um Ministério da Fazenda que rivalizasse e sobrepujasse o correspondente em Montevideo, que ele gaúcho conhecia muito bem. O Min.Fazenda do Uruguai é imponente, do início do séc.XX e mais parece uma fortaleza. Funciona até hoje, ao contrário do nosso que foi abandonado por Brasí­lia, e se estraga. Poderia ser vendido para uma empresa hoteleira de alto luxo. Vargas errou ao derrubar a Academia Real. Mesmo erro aconteceu com o Palácio Monroe.

  2. […] Imperial de Belas Artes, projetado pelo arquiteto francês Grandjean de Montigny e aqui tratado nesta […]

  3. […] By the decree number 24.504, from June 29th, 1934, Brazilian President Getulio Vargas authorized the accomplishment of an architectural contest to choose the project of the new Ministry of Finances headquarters, to be built replacing the old one, in Passos Avenue – the very same building that once was the Fine Arts Imperial Academy (AIBA), projected by French architect Grandjean de Montigny and addressed here in the blog in this post. […]

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